terça-feira, 9 de outubro de 2007

Sobre a vida profissional de Moreno


Aos dezenove anos, em 1908, estava matriculado na Faculdade de Medicina de Viena. Neste período, seu passatempo predileto era caminhar pelos parques da cidade reunindo crianças e formando grupos de brincadeiras de improvisação. Costumava contar-lhes contos de fadas. Nunca repetia a mesma história, para manter a sensação de encantamento. Ao trabalhar com as crianças, Moreno queria lhes proporcionar meios de lutar contra os estereótipos da sociedade, mantendo a espontaneidade e criatividade. Cultivava a idéia de um universo primordial, onde se situavam os modelos de um mundo melhor. Queria mostrar como um homem com sinais de paranóia, megalomania, exibicionismo e outras formas de desajuste individual e social não era um doente mental, mas podia ser alguém controlado e saudável. E podia ser mais produtivo se “representasse” seus sintomas, como um ator numa peça, em vez de reprimi-los ou resolvê-los. Nisso ele antecipava o papel de protagonista do psicodrama de sua própria vida.
Entre 1908 e 1914, Moreno e cinco seguidores que compartilhavam seus ideais, viviam na comunidade. Não aceitavam remuneração por seus serviços e tudo que recebiam como gratificação ia para a Casa do Encontro, um local criado para abrigar refugiados que, nos anos tumultuados precedentes à Primeira Guerra Mundial, transitavam por Viena em busca de um novo lar nas Américas ou em Eretz Israel.
A Casa de Encontro era um local onde as pessoas eram ajudadas e assistidas pelo tempo necessário. Todas as noites havia sessões de “grupos de encontro” em que eram discutidos os problemas e desfeitos os ressentimentos. Após compartilhar os sentimentos, as pessoas cantavam e dançavam e os encontros eram experiências muito alegres. Esses encontros foram realizados por Moreno também num grupo de pessoas socialmente excluídas na Viena da época: as prostitutas. A tentativa de Moreno mostrou-se muito bem sucedida, tanto que essas mulheres aprenderam a se valorizar e lutar por seus direitos, conseguindo o apoio de um advogado que as defendesse e de um médico que as orientasse.
As principais correntes ideológicas do século XX rejeitavam a religião e repudiavam a idéia de uma comunidade baseada no amor, altruísmo, bondade e santidade. Ao contrário, Moreno se colocou do lado de uma religião positiva. Sua ideologia se baseava em três princípios. O primeiro dizia que a espontaneidade e a criatividade são as verdadeiras forças propulsoras do progresso humano; mais importantes, em sua opinião, que a libido e as causas sócio-econômicas. O segundo dizia que o amor e o compartilhar mútuo são a base da vida em grupo. Enfim, o terceiro dizia que se podia construir uma comunidade dinâmica baseada nesses princípios.
Após a Primeira Guerra Mundial, publicou “A filosofia do aqui e agora” e “As palavras do pai”, em que expõe sua posição filosófico-religiosa. A esta ele sempre se manteve fiel. Mas sua linha de pensamento foi relegada para segundo plano pelos círculos intelectuais. No entanto, sua filosofia era a base teórica das técnicas de sociometria, psicodrama e terapia de grupo, que foram universalmente aceitas fora do contexto ideológico que as inspirou. Já para Moreno, sua doutrina constituía a parte mais revolucionária de seu trabalho.
Uma passagem interessante relatada pelo próprio Moreno ocorreu em 1912, durante o seu curso de Medicina, quando assistiu a uma conferência de Sigmund Freud. Num breve diálogo que conta ter mantido, ele afirmou: “O senhor analisa os sonhos de seus pacientes. Eu lhes dou coragem para sonhar de novo. O senhor os analisa e os despedaça. Eu os faço representar seus papéis conflitantes e os ajudo a reunir seus pedaços, de novo”.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Moreno cuidou, como oficial médico, de um campo de refugiados nos arredores de Viena, cuja população era originária do Tirol do Sul e falava italiano. No campo desenvolveu-se uma vida comunitária completa. Através dessa experiência surgiu a idéia do planejamento sociométrico das comunidades e a busca de parâmetros de objetividade científica nas Ciências Sociais.
Em 1917 Moreno recebeu seu diploma de Doutor em Medicina pela Universidade de Viena. Seu diploma foi um dos últimos assinados pelo imperador Francisco José.
Após se formar em Medicina, Moreno publica a revista Daimon, tendo como colaboradores alguns membros do movimento expressionista vienense: Franz Kafka, Martin Buber, Max Scheller, Francis James, Jacob Wasserman, Arthur Schmitzler e Franz Werfel. Moreno mantém a publicação da revista Daimon até 1920 e nela publica as suas primeiras experiências e principais idéias. Moreno conta que, no início da sua carreira , não conseguia conter o seu desejo messiânico de recriação do universo social e de construir um palco para expurgar as dores e sofrimentos dos pequenos grupos. Admirava Marx, pela sua preocupação social e humanística em relação ao povo, mas, criticava-o por haver esquecido o cidadão enquanto indivíduo. Moreno era então um socialista convicto e atuante, embora não adepto. Dirigia sua energia para questões sociais, é certo , mas sem esquecer-se nunca da sua própria existência, que queria libertária, espontânea e criativa. Parece profundamente religioso, ao citar Cristo, Buda, Maomé e Gandhi, mas critica os existencialistas profetas que, do seu ponto de vista, não conseguiram consolidar sua própria existência e que morreram prisioneiros dos seus ideais, a exemplo de Nietzche e Kierkegaard. Admira e reconhece como verdadeiros representantes do existencialismo, um grupo que estava inserido no seu contexto histórico e social, surgido no período de 1900 a 1920, em Viena, e que praticava a filosofia do Seinismo ,segundo a qual, Ser e Saber são condições inseparáveis, influindo-se mutuamente. Esta filosofia, também chamada de Hassidismo, é originária da Cabala e do judaísmo místico.Reúne numa só realidade a existência e o pensamento, e defende além da existência de um Deus cósmico, presente em cada pessoa enquanto centelhas divinas, a manutenção do fluxo natural e espontâneo da existência, a importância de viver-se o momento presente, sem ater-se ao passado ou ao futuro, a importância da liberdade, espontaneidade e criatividade.

O Hassidismo é portanto, a filosofia de base de Moreno e do Psicodrama , pois são desses conceitos que Moreno formula posteriormente a Doutrina da Espontaneidade – Criatividade.Pode-se ver a influência de outras correntes filosóficas, como a fenomenologia de Husserl e o materialismo histórico de Marx, posteriormente, na medida em que o psicodrama, a sociometria, a psicoterapia de grupo e a proposta da sociatria vão estabelecendo o contorno dos métodos psicodramáticos. Mas, a partir da sua fenomenologia existencial, já era possível a Moreno, investir numa ação mais elaborada e abrir espaços onde pudesse explorar as suas idéias. Em 1920, Moreno publicou o seu primeiro livro Das Testament des Vaters e depois, realizou o seu 1º Ato Público Psicodramático, no dia 1 de abril de 1921, dia dos loucos, na Áustria, dia da mentira, para nós. Neste evento, realizado no período de pós guerra e com o governo austríaco em plena desordem, Moreno propôs como tema dramático a escolha do Rei da Áustria e conseguiu vários voluntários para encená-lo. Mas o público não elegeu nenhum dos Reis representados, o que deve ter sido bastante frustrante para Moreno, levando-se em conta inclusive que ali estavam sendo lançadas as bases para o enquadre do Sociodrama, trabalhado posteriormente. Moreno persegue as suas idéias e projeta no ano seguinte (1922), com a ajuda do seu irmão William, um Teatro da Espontaneidade (Das Stegreiftheater), em Viena, onde passa a realizar improvisações espontâneas com um grupo de atores profissionais, até descobrir que a representação espontânea de situações da vida cotidiana produzem efeitos terapêuticos (1924) . A história que Moreno conta é que uma das atrizes que freqüentava o teatro com o seu marido, e que elegia sempre papéis dóceis e carinhosos para representar; era segundo o marido, uma verdadeira megera na intimidade do lar. Intrigado com a incongruência, Moreno passou a dar-lhe papéis opostos aos que vinha representando. Soube posteriormente, através do marido desta atriz, que ela tornara-se mais calma e carinhosa com ele. Descobriu, dessa forma, os efeitos terapêuticos do seu manejo técnico e passou a designar o seu Teatro Espontâneo como Teatro Terapêutico. Moreno atribuiu a essa atriz o nome de Bárbara e ao marido, o nome de George, para citar o seu primeiro Caso Clínico. São eles os seus primeiros “pacientes- espontâneos”, ou seja, isentos de um contrato terapêutico, já que a proposta de Moreno era apenas de representação dramática, com atores profissionais.

Nessa época, o trabalho de Moreno consistia em dirigir peças espontâneas a partir de temas escolhidos pelo grupo. Costumava usar também, a leitura de jornais do dia, para escolha e dramatização de matérias com as quais o grupo se identificava. Esse técnica ficou depois conhecida com o nome de Jornal Vivo. Ao perceber o valor terapêutico do trabalho que vinha fazendo, Moreno usou novamente o seu manejo técnico com outro casal , Robert e Diora.Mas desta vez não conseguiu o sucesso que esperava : Diora separou-se de Robert e, no dia seguinte ele suicidou-se. René Marineau cita, na bibliografia que fez de Moreno, que este episódio abalou profundamente as convicções de Moreno, e provou uma parada para reflexão. Incomoda a Moreno, o fato de não haver previsto a possibilidade de suicídio ele resolve, no ano seguinte, mudar-se da Áustria.Ao sair da Áustria, Moreno já dispunha de vários recursos técnicos para desenvolver o Psicodrama : o setting da sessão e algumas técnicas, como a inversão de papéis e o duplo, já haviam sido bastante exploradas e testadas, e já haviam indicado o seu valor terapêutico. O ano de 1924 fez, então, duas revelações a Moreno: uma relativa ao valor terapêutico da dramatização espontânea e da inversão de papéis; e outra de alerta, quanto ao uso desses métodos sem enquadre clínico. Mas, podemos considerar concebida a teoria básica do Psicodrama.Neste mesmo ano, é editado o Teatro da Espontaneidade. Neste livro, Moreno definiu quatro enquadres psicodramáticos : o Axiodrama, onde o público assume o papel de instigador sistemático para desvendar a Cena a partir da pessoa privada do ator, derrubando as suas máscaras e conservas culturais; o Teatro de Improviso, onde o drama é encenado da forma como surge, com atores e protagonistas espontâneos; o Teatro Terapêutico, onde existe um conflito a ser trabalhado e as pessoas representam a própria vida; e o Teatro do Criador, mais próximo ao que mais tarde ficou conhecido pelo nome de Psicodrama Individual.Moreno projeta também nesse livro, o seu palco psicodramático e refere os caminhos da sociometria, da psicoterapia de grupo e do psicodrama terapêutico.
Nesses anos após a Primeira Guerra Mundial, Moreno clinicava como chefe do departamento de saúde numa pequena aldeia nos arredores de Viena, Voslau, onde se tornara o “Doutor do Povo”. Continuava não aceitando dinheiro dos pacientes que vinham consultá-lo. Sua paixão pelo anonimato o circundou de uma aura de prestígio e fama, e seu apelido tornou-se “Wunderdoktor” (o médico prodígio).
Mas em Viena as sementes do nazismo e do anti-semitismo começavam a germinar. Enfrentando como judeu a inveja e o desejo de vingança, além da crescente mediocridade da sociedade germânica da época, Moreno teve uma intuição: deixar a Europa e buscar refúgio nos Estados Unidos. Talvez a motivação da emigração não fosse unicamente a preocupação com a salvação e a segurança pessoais, mas também a urgência de encontrar um lugar adequado para a realização de seu trabalho.
Em outubro de 1925, Jacob Levy Moreno chegou a Nova York. Fora convidado para os Estados Unidos graças a uma sua invenção, o “Radio Film”, um disco de aço em que podiam ser gravados sons. O modelo da invenção foi patenteado e desenvolvido por uma companhia que lhe pagaria royalties.
Mas Moreno queria mesmo seguir sua vocação. Após uma demonstração da aplicação das técnicas de psicodrama para crianças com problemas, começou a trabalhar na clínica do Hospital Monte Sinai, em Nova York. Lá foram desenvolvidos e aperfeiçoados vários testes sociométricos e de espontaneidade. Depois o psicodrama foi levado às crianças do Plymouth Institute, no Brooklyn, uma instituição ligada à Igreja. Em 1927 recebeu a licença para o exercício da medicina nos Estados Unidos.
A base do seu trabalho continuava sendo o Teatro da Espontaneidade, quando em 1936 fundou o Beacon Hill Sanatorium, seu próprio hospital para doentes mentais, e uma escola, em Beacon: um casarão branco comprado por US$ 2 mil, emprestados pelas filhas de uma paciente. O dinheiro da reforma do sanatório e da construção do teatro de psicodrama veio de outra paciente ilustre, Gertrude Tone, internada devido ao alcoolismo: o teatro de Beacon foi dedicado a ela (que funcionou até 1982 como um centro de formador de profissionais, e onde eram realizadas sessões semanais com psicodrama público). Nesses anos, Moreno recebeu um importante apoio moral e financeiro de seu irmão William, que emigrara para a América pouco antes dele e era um empresário bem sucedido. Com sua ajuda foi montado, em 1942, um teatro de psicodrama, em Nova York, e uma editora, a Beacon House, para publicar os trabalhos de Moreno de forma independente e sem interferências. A revista Sociometry e a edição americana de The Words of the Father (Ética dos Pais) foram às primeiras publicações, seguidas depois por muitas outras.
Nos anos da Segunda Guerra Mundial, a sociometria, a terapia de grupo e o psicodrama tiveram aplicações práticas e um importante reconhecimento. Os funcionários da Cruz Vermelha recebiam treinamento psicodramático e sociométrico para tornar mais humano seu atendimento. Essas técnicas tiveram também um papel importante nas Forças Armadas britânicas. Foram usadas na seleção e no treinamento de soldados e para reduzir as perdas por problemas psicológicos. A psicoterapia de grupo tornou-se o tratamento preferido nos hospitais militares, não somente em vista do custo mais baixo, mas por tratar-se de uma terapia eficaz. “As pessoas ficam doentes num grupo; elas se recuperam melhor num grupo...”.
Acompanhado por Zerka, Moreno visitou inúmeros países para divulgar suas idéias e métodos terapêuticos. Entre seus livros destacam-se Sociometry, Experimental Method and the Science of Society, publicado em 1951, e Who Shall Survive?, revisto em 1953, e vários outros sobre psicodrama.
As influências recebidas por Moreno podem ser verificadas de forma explícita em sua obra psicodramática, pois o Psicodrama, como uma prática psicoterapeutica e uma visão de homem, surge e se desenvolve atrelado diretamente à história de Moreno, seu criador
Num primeiro momento, Moreno passa por uma fase marcada pela religiosidade e por concepção filosófica existências, que nortearam sua juventude. Pode se citar a influência de sua formação educacional judaica, tendo como exemplo as “brincadeiras de ser Deus”, que segundo Moreno teriam representado o primeiro marco do Psicodrama, sendo influenciado pelo misticismo judaico e pela Cabala, com seu postulado central de que toda a Criação é uma emanação da Divindade.Como um leitor assíduo e fervoroso de autores significativos no ramo da Filosofia, Moreno foi influenciado de maneira notável por filósofos como Agostinho, Pascal, Spinoza, Kant, Hegel, Rousseau, Bérgson, Bachelard, Peirce e , de maneira mais marcante, por Karl Marx, Dostoievski, Goethe e Nietzsche, o que se reflete em seu repetido interesse na encenação de “Assim Falou Zaratrusta”, uma clássico livro de Nietzsche.
Faz-se notável também a influência que as manifestações de cunho político e público, características do movimento artístico das vanguardas teatrais do pós-guerra (Primeira Guerra Mundial), exerceram sobre Moreno. É possível estabelecer uma vinculação indireta entre ele e esses intelectuais revolucionários, tais como Max Reinhardt, Stanislaviski e Luigi Pirandello.

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